quarta-feira, 26 de junho de 2013

O Diacono




                                                                          Foto  Manuel J. Leonardo








                                                           O  Inimigo N -  1
                                                                de Peniche

                                             
                                                     Histórias da minha Terra
                                                             O Diácono

               Estávamos no auge da Segunda Guerra Mundial  e eu tinha dez anos de idade.
Tinha apanhado uma pleuropneumonia e encontrava-me bastante mal pois tendo melhorado voltei a recair e fiquei com uma pleuropneumonia  dupla .
                Tudo na época era racionado e os medicamentos ainda raros e muito caros não ajudavam a que a minha doença fizesse a  esperada recuperação , também não havia vagas nos Hospitais que estavam superlotados com os soldados de diversos países que vinham para Portugal para se tratarem e recuperarem .
O meu cunhado e Padrinho como funcionário da Imprensa Nacional de Lisboa  - emprego do estado como na altura se chamava - tinha direitos médicos aos quais eu como seu cunhado e vivendo em família  também estava incluído nos benefícios dessa Assistência .
                 Nos momentos de crise na minha doença - estive preste a morrer em diversa ocasiões - , o meu cunhado  verificava se eu ainda respirava com um pequeno espelho colocado junto á minha boca e tomava-me o pulso constantemente  e assim  monitorizava a minha vida  que se tornou precária por mais de um ano  mas como estão a ver  ainda cá estou para vos contar uma das mais trágicas passagens da minha vida .
                 Quando  ainda na minha convalescença  perguntei  ao meu Padrinho o que ele fazia quando me punha  o espelho na boca e me tomava o pulso ,  fiquei a saber que pelo  espelho ele embora eu já não tivesse forcas para respirar sabia que eu continuava vivo pois o espelho ainda que tenuemente enquanto eu estivesse vivo  ficava  um pouco embaciado e ele assim  ficava a saber que eu ainda estava vivo . A minha pulsação ás vezes era tão fraca que ele não me sentia o pulso .
                   Dai em diante já eu via quando as pulsações da minha Madrinha estavam altas e quantas intermitências tinha durante o minuto que lhe tirava a pulsação  e ela já as tinha demais! .  
                    Era miúdo e aprendia tudo o que me ensinavam e nunca  esqueci , jamais .....

Quando ia á missa lia e acompanhava  a liturgia em latim .
                    Levei anos a compreender  o que  aquelas palavras significavam em português  e a pouco e pouco fui decifrando não aprendendo , o que tudo lia com um ardor intenso de aprender .
o missal escrito em latim que me foi oferecido em honra da minha voz que não tinha vergonha de elevar na Capela Mor da Igreja de Santa Isabel na cidade de Lisboa em  que eu era assíduo  participante mas sempre me recusando a fazer parte do Coro da Igreja ,era um refúgio na minha solidão que fazia parte da minha vida .
                      Não pensem que tinha uma voz melodiosa  mas sim uma voz possante que era notada pelos três padres que faziam serviço na Igreja – que belos tempos – que eu fazia modelar consoante o som da assistência participante.
A Igreja de Santa Isabel era situada a poucos quarteirões da  casa  em que eu vivia  no  Largo da Páscoa  e a correr, passo largo ou a trote em poucos minutos chegava lá .
                       Ia sozinho , para a Igreja  a minha irmã não tinha vagar  para a religião  e o meu cunhado  embora parecendo não adorar os Santos nunca me impedia de a frequentar e andei por lá até adoecer  e depois de me restabelecer continuei frequentando os serviços religiosos até  regressar infelizmente a Peniche  , derivado o meu Padrinho ter abandonado  a casa  para conviver com a enfermeira  que quando eu estava doente  frequentava a nossa casa .
                       Quando os meninos ou meninas morriam eu era sempre convidado para acompanhar o serviço fúnebre e mesmo acompanhando até ao cemitério  , lia  ou cantava os salmos indicados para as diversas cerimónias ..
                        Chegado a Peniche continuei a ser um fiel  participante dominical mas parece-me que como ia sempre sozinho  os participantes  não me prestava a atenção que eu estava acostumado a ter mas como sempre a pouco e pouco comecei-me a impor e a confraternização  chegou  mas sucedeu algo que eu fiz que indignou os fiéis  seguidores da Palavra de Cristo Redentor  , infelizmente ...

                         Naquela madrugada a minha irmã Lourdes veio á minha cama chamar-me pois a nossa Mãe estava a dormir tão sossegadamente que fez estranhar  a sua postura .
A nossa  Mãe estava muito doente do coração ,talvez de tantos filhos ,doze no total que em poucos mais de vinte anos os fez nascer e criar , dormia num quarto de dentro para a fábrica juntamente com as minhas duas irmãs .e eu e o meu Pai dormíamos noutro quarto que dava para a rua .
                          Chegado junto á cabeceira de minha   Mãe gentilmente  segurei  –lhe o pulso  e tentei sentir a sua pulsação .  Não a senti . Calmamente voltei ao meu quarto e pegando no pequeno espelho que usava para me pentear quando saia de casa , regressei para junto da minha querida Mãe e encostando o espelho junto á sua boca tentei ver se o embaciamento da sua respiração se notava . Também não o consegui notar  apesar de encostar o candeeiro de petróleo o mais próximo da sua face .
 Entretanto  minha irmã Lourdes  massajando suavemente a cara da nossa Mãe  chorava e dizia :  A Mãe parece que está morta  !  E eu com os olhos rasos de lágrimas  disse :  a Mãe já faleceu  !!  e fugindo fui chorar copiosamente para a rua .
                               Poucos minutos depois  já recomposto  de tentar secar as lágrimas fui consolando o melhor que podia o meu pai e as minhas  irmãs perante os olhos chorosos de toda a vizinhança que entretanto se reuniu á nossa volta numa manifestação instantânea de dor colectiva .
 Durante o resto da noite  o Terço foi rezado inúmeras vezes e eu meditava que foi preciso a minha querida Mãe falecer para pela primeira vez ouvir  lá no Céu orações em sua Honra que até aqui não as  tinha ouvido na Terra !.
                               Logo de manhã o meu irmão António foi falar com a pessoa que fazia os caixões  e foi lá que lhe deram mais indicações , tinha que ir ao registo civil , falar com o Sr. Prior  mas as coisas também  eram resolvidas se ele não soubesse tratar dos assuntos .
                                A minha irmã mais velha foi falar com o Sr. Prior e ele marcou a hora do funeral para o outro dia . Já a  minha irmã tinha saído a porta , ouviu o Sr. Padre chamar por ela e perguntar se os meus Pais eram casados
 A  minha irmã disse-lhe que não eram casados embora todos nós  fosse-mos baptizados 
Respondeu-lhe o Sr. Prior :
Se não são casados eu não posso  assistir ao funeral ,disse que fizesse-mos o funeral ás horas que nós quiséssemos .       
                                  Minha irmã  ,surpreendida e contristada chegou com  essa notícia  e todos os presentes vizinhos e familiares lamentaram a  decisão da  Igreja e mais gritos de dor se fizeram ouvir .
                                   Eu estava em silêncio  concentrando as minhas ideias e elevando a voz pedi silencio e disse ;
                                    Não há nenhum problema  eu vou encomendar o corpo da minha Mãe até á cova .
                                    Nessa mesma tarde quando fui á novena na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda  , enchi de água benta  um pequeno frasco  da pia que me tinha servido para o meu Baptismo
                                     No dia seguinte segurando com pulso firme o meu Missal que até me parecia que estava com um peso enorme que nunca tinha notado  anteriormente , dei inicio á  cerimónia da despedida   e iniciou-se o desfile do funeral. 
                                      Cantando e rezando pelo caminho ,orientando o coro muito mal tratado pelos acompanhantes  que pareciam que nunca tinham cantado em cerimonias fúnebres  ,fazendo as necessárias paragens para descanso  e os homens molharem a língua com um copito de vinho ,  fomo-nos aproximando do cemitério e  para minha surpresa comecei a  avistar em direcção a nós  dois elementos da Guarda Nacional Republica que em patrulha se cruzaram connosco.
Olhando sempre em frente , passei calmo e sereno e até não vi a continência que essa força da Ordem fez perante o desfile do corpo da minha Mãe ,continência que foi notada pelos participantes que mais tarde mo disseram.
                                         E um funeral que tinha saído com escassas dezenas de acompanhantes  quando virado para as pessoas na oração final verifiquei que estavam presentes algumas centenas de pessoas que ao longo de percurso se tinham juntado á Celebração .     
                                           Tinha pedido ao meu Deus que me desse coragem para condignamente  Celebrar esta cerimonia   mas quando  na oração  da Despedida terminei dizendo :
                                                 Descansa em Paz  , Minha  Mãe ....

  comecei a chorar copiosamente ...
Sabem ? Eu também sou Humano ! .

Manuel Joaquim Leonardo
 Peniche Vancouver  Canada
4 de Fevereiro de 2009

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