As folhas no meu Destino
Continuação
Terceiro Capitulo
Mais perto de Lisboa
Do Turcifal , atravessando eucaliptais e pinhais durante possivelmente mais de uma hora cheguei novamente á estrada Nacional 8 ao romper da aurora e digo-vos que foi sempre debaixo de uma tenção forte que quando junto de mim se levantava uma perdiz , mocho ou qualquer estridulo , ou piar de uma ave que eu vibrava de uma maneira muito estranha . e digo mesmo receosa .
O meu primo António deu-me um cajado na pior hipótese de encontrar um cão , raposa ou mesmo um simples texugo que fugindo de mim talvez me desse a sensação que me quisesse atacar e se isso sucedesse teria o cajado para me poder defender melhor
Também nos tropeções que ia dando pelo caminho esventrado o cajado de marmeleiro foi um auxilio que em algumas vezes evitou que eu me estatelasse no chão e que possivelmente consequências graves me pudessem acontecer .
O meu primo António foi peremptório :
Se não saíres desse caminho daqui a pouco mais de uma hora estarás na Nacional 8 e depois é só seguir em frente …. E assim foi .
Sem mais delongas e abandonando os meus pobres restos dos sapatos , já sem solas sendo as “almas “ - parte interior entre a sola do sapato e a parte superior que a palmilha compunha o formato do sapato, eu estava familiarizado com a nomenclatura do sapato ,pois o meu cunhado e Padrinho fabricava sapatos lindos de ponta a ponta mas felizmente não trabalhava para fora e eu já até punha meias solas as quais ele dava os acabamentos finais –as “ almas” também já estavam completamente destroçadas vi me obrigado a deita-los fora .
E assim quase á noitinha cheguei a Lousa e desviando-me para uns terrenos junto a estrada ,escolhi o melhor sitio para aliviar as minhas necessidades fisiológicas .
Já quase novamente próximo da estrada , parei e comecei a explorar as condições do terreno aonde eu estava . Pensei que debaixo duma daquelas árvores ,seria um local apropriado para dormitar aquela noite e descansar os meus fatigados músculos que tanto tinham sido maltratados
Estava eu nesse reconhecimento do terreno quando vi que ainda um pouco longe uma pessoa avançava para o local aonde eu estava parado. E com a aproximação verifiquei que era um homem alto bem proporcionado o qual ao passar por mim me deu a salvação.
Aproveitando-me desta sua fraternidade , pedi desculpa e fiz-lhe uma pergunta :
Senhor , desculpe me eu interromper a sua caminhada mas na sua opinião acha que se eu descansar esta noite debaixo de uma destas árvores , o dono deste terreno levará a mal ?
Parecendo-me que olhando –me de alto a baixo com fixação indagou :
Tu queres dormir esta noite aqui no chão ?
Se não fizesse mal eu não me importava, o tempo está bom e está calor … .
- De onde és tu ?
- Eu sou de Peniche e vou para Lisboa arranjar trabalho .
-E vens a pé ?
- Sim Senhor ,,,,
- Como te chamas ?
- Manuel Joaquim Leonardo …..
- Manuel se tu quiseres vais dormir no chão da minha cozinha que é o que te posso oferecer mas assim ficarás dentro de casa e em cima de um colchão .
Disse-lhe agradecendo que aceitava e agradecia a sua oferta. e após poucos minutos já estávamos dentro de casa .
Esse Senhor acendeu o seu candeeiro e poisando-o em cima de uma pequena mesa único móvel que ornamentava aquela dependência , disse-me para eu me sentar na única cadeira que me pareceu existir na casa e saindo de casa voltou dentro de um ou dois minutos com um mocho – tronco cortado de uma árvore que servia de banco -.
Levantei-me e disse-lhe que se assentasse na cadeira que eu me assentaria no mocho , Com voz forte ordenou-me para eu ficar sentado .
_ Já jantas -te ?
E seguindo com a conversa disse ,eu já jantei e agora só tenho o lanche para levar para o trabalho mas se quiseres eu posso-te dar uma para ti
Respondi-lhe que já tinha comido também e aproveitei para tentar manter conversação com ele e perguntei-lhe : trabalha fora da aldeia ?
Eu trabalho , sou soldador no Estaleiro Naval de Lisboa vou e venho todos os dias para Lisboa
-O meu irmão também é soldador numa fabrica de peixe, soldas as latas e afina as maquinas de por tampos quando estas se avariam e faz quase tudo na fabrica em Peniche
- Eu sou soldador mas trabalho nos navios grandes ou pequenos mas chama-se Estaleiro Naval pois faz-se reparações nos navios e fazem-se navios pequenos em ferro .
Que idade tens Manuel .? Sabes ler e escrever ?
Pouco mais de doze anos mas sei ler e escrever, tenho a quarta classe com distinção .
Estive em Lisboa desde os meus 5 até aos 12 anos de idade e sempre na escola mas agora a minha irmã e Madrinha faleceu e eu tive que voltar para Peniche
Se tivesses catorze anos talvez te arranjasse. trabalho pois tu dizes que tens a quarta classe . Olha vou-te dar alguns conselhos pois tu vais tentar trabalhar para Lisboa mas tem cuidado com os patrões que arranjas . Se não te sentires bem com o patrão que tiveres . não saias logo do trabalho sem arranjares outro emprego mas luta sempre pelo teu trabalho e ajuda sempre os outros se poderes .
Parece-me que não tens sapatos mas lembra-te que se fores apanhado a andares descalço em Lisboa a policia apanha-te e leva-te para a Mitra
Compra um par de alpergatas amanha e se quiseres poupar as alpergatas andas só com uma nos pés . quando aquela estiver estragada calcas a outra e assim a policia não te pode levar preso. As pessoas que andam a vender nas ruas usam sempre essa estratégia Tem sempre cuidado com a policia pois se cais uma vez eles nunca mais te largam da mão .
E dizendo-o isto fui buscar ao seu quarto um pequeno jornal e começou a ler as suas poucas paginas a luz do candeeiro,estando nessa leitura talvez uma hora .
Achei engraçado o nome das folhas ou jornal que chamava-se o Avante
Finalmente disse-me que tínhamos que ir dormir mas antes de se ir deitar agarrou numa pequena pá de ferro foi para lareira pôs a papá dentro da lareira com o jornal e incendiou o jornal esperando que todo o jornal ficasse bem em cinzas ,saiu para fora de casa só voltando dai a uns poucos minutos sem as cinzas queimadas do Jornal .
Só no outro dia de manhãzinha é que reparei bem na fisionomia de quem me tinha ajudado :
Um Homem de talvez quarenta anos ,de boa compleição física ia vestido para o trabalho de calça e camisa de ganga escura e também com um casaco de ganga mais forte também escuro, boné na cabeça Como recordação deixei-lhe o cajado ,oferta do meu primo António
Penso que também nunca mais o tornei a ver.
Manuel Joaquim Leonardo
Peniche Vancouver Canada
23 de Setembro de 2012 Continua …..
P.S.
O Avante , Jornal comunista na clandestinidade a partir de 1941 começou a ser editado quase regularmente todos os meses .
Em 1937 A C.U.F. de Alfredo Silva ganhou a concessão do Estaleiro Naval da Administração Geral do Porto de Lisboa
Fonte : WIKIPÈDIA
P.S. Nunca soube o nome deste SENHOR porque me ensinaram que quando nós damos o nosso nome completo a alguém e essa pessoa não dá logo o seu nome nunca se deve perguntar mais o seu nome .
Esse bairro ficava junto á Estrada N- 8 não tem janelas na parte de baixo ao longo do edifício mas sim algumas janelas na parte do edifício superior parece que a frente desse edifício seria virada para Este e é ao lado esquerdo mesmo quando começa o casario e quando se vinha dessas habita coes para a estrada N-8 tinha-se que descer uma saída com escada
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