Historias que o tempo não apaga
Hoje não me sinto muito satisfeito e de uma maneira geral vou com nostalgia a minha velha arca dos meus tesouros e ao calhar retiro uma das paginas soltas que já baforentas e amareladas do tempo fazem parte da minha vida ...
A pesca não tinha sido abundante poucos mais de cem cabazes que tinham sido espalhados aos montinhos que quase pareciam iguais na areia da praia da Figueira da Foz , logo depois da entrada da barra , e junta a estrada marginal .
A sardinha apanhada havia pouco mais de uma hora , junto a' costa logo ao virar do Cabo Mondego para o Norte em frente a' Serra da Boa Viagem parecia que ainda queria saltitar na área prateada que nos servia de estendal para fazermos a descarga e vendagem do pescado apanhado .
Numa manha de Junho soalhenta do ano de 1954 ,com o mar bailando de encontro aos molhes da barra , era um cenário ideal para os ja' muitos veraneantes e população local que ao longo da estrada passeando se inebriava com a azafama de pescadores e compradores que esperavam que começasse a venda da sardinha .
E era interessante para eles ouvirem a cantilena do vendedor que anunciava um primeiro preço base alto , para cada monte de peixe e numa cantilena em números descendentes chegava ao chuiii do comprador que depois dizia quantos montes queria comprar
Logo as varinas que se encontravam esperando já de saias puxadas para cima e atadas a volta da sua cintura calcando uma meias de la compridas mas sem pés ,para amenizar a frieza da agua do mar, pondo nas nacas de rede uma porção de sardinha entravam pela agua dentro e com movimentação forte dentro da agua a sardinha ficava descamada e pronta a ser salgada para de seguida ser enviada para a venda já nas diversas localidades do pais
As gaivotas esvoaçando no local em grande numero tentavam apanhar alguma sardinha que por qualquer motivo saia para fora da naca e as algazarras gritantes e seus voos rasantes faziam o delírios dos espectadores que assistiam sem arredar pé do anfim teatro . deslumbrante de graciosidade e natureza
A sardinha para venda local , ou próxima ,de uma maneira geral era vendida com quanto mais escama melhor para assim se verificar a sua apresentação e frescura do dia .
Depois de vendido o pescado a traineira e pescadores seguiam para a pequena doca , umas centenas de metros acima junto ao Jardim , preparavam o seu almoco comum , caldeirada e dormiam algumas horas ate' voltarmos a sai para o mar . Eu dividia o quinhão dos meus camaradas que era logo dividido por cabeça e só depois de cumprir essa missão e' que era quando agarrando na minha cesta do farnel e garrafão do vinho ia me aviar para comprar pão ,fruta e vinho .
Ja' todos os meus camaradas dormiam ou descansavam nos seus poucos beliches ou deitados no chão de tabuado do "leito" -repartição que tínhamos para descansar- , quando agarrei na cesta e fui para a terra aviar -me .
A meio de atravessar, já nessa época a Avenida bastante larga vislumbrei algo caído na estrada a uns vinte metros de mim que me chamou a atenção.
Aproximei-me e vi caída no chão uma pasta de cabedal como alguns dos meninos mais ricos levavam ja' os seus livros ,cadernos e equipamento escolar ,necessário na época . Olhei ao meus redor e não vi nenhuma pessoas ou bicicletas na estada e como era natural na altura não a deixei la' no meio da estrada .
Abria a minha cesta e levei-a . Como de costume levei a comprar os meus mantimentos mais de meia hora e chegado ao meu barco fui fazer umas esquilhas de molhinho para eu comer Entretantanto peguei na pasta que estava ao meu lado enquanto fiz o comer e como estava fechada a' chave meti os meus dedos da minha mão direita e apalpei uns papeis ,
Com dois dedos e arrastando puxando para cima consegui retirar um papel que era nada menos de uma nota de quinhentos escudos !!! Calculem a minha admiração !!
Meti novamente os dedos e procurando tirei para fora uma nota de cincoenta ?, vinte escudos ? não tenho a certeza mas tenho completamente a certeza que não era de quinhentos escudos ... entretanto as esquilhas foram comidas e eu estava num dilema . A mala tinha dinheiro e eu não queria ficar com aquela pasta , mas eu não tinha ainda a certeza a quem a deveria entrega se a' policia ou a' entidade marítima . Voltei a por o dinheiro que tinha retirado dentro da pasta . entretanto ja' se teriam passado mais de hora e meia desde que encontrei o dinheiro .
Foi então quando comecei a avistar ao longe talvez um sujeito que caminhava com uma bicicleta a' mão .aguardei ate' chegar mais próximo de mim e comecei a verificar que um senhor de fato inteiro de bone' na cabeça olhava para todos os lados na estrada a vagarosamente arrastava a bicicleta e pensei !!! E' capaz de ser o dono da pasta Vesti uma camisola bastante larga que usava por ultimo na minha lida do mar , era bastante folgada .e meti a pasta bem encostada a mim .
Ele entretanto estava a chegar perto de mim e dirigindo-me a ele disse-lhe :
Então senhor como vai ? perdeu alguma coisa ? ... Deixe-me da mão , estou desgraçado perdi a mala do dinheiro do banco.. Estou desgraçado... Diz -me chorando . Desabotoando dois botões da camisola e puxando a pasta para fora devagarinho disse-lhe , E' isto que esta a' procura ? ainda não tinha feito a pergunta toda e já puxando a pasta da minha mão ,pôs-se em cima da bicicleta sem sequer me agradecer e desapareceu em poucos minutos ...!!! .
Estive sem voltar a' Figueira da Foz cerca de 4,5 anos mas quando voltei quis tentar saber algo mais do meu mistério,.
Assim como tinha que trocar dinheiro para fazer o pagamento do quinhão aos meus camaradas e lembrei me da direcção que esse senhor tinha levado fui ver se encontrava um banco por ali
La' bastante adiante estava um banco . Entrei pedi para me trocarem dinheiro por favor e depois de estar servido perguntei ao caixa que existia somente no banco se alguma vez um cobrador vosso perdeu algum dinheiro ? Um so' ? ja' foram dois disse -me com cara de riso .
Então parece-me que fui eu que encontrei - essa ultima pasta ha' uns 4,5 anos !! Virando se para trás de si e gritando para os seus poucos colegas , disse : Foi este rapaz que encontrou a pasta !!!
Todos se aproximaram e eu contei-lhes o que se tinha passado
Ja' me estava a despedir lembrei-me de perguntar quanto e' que a mala tinha .
Um deles disse-me , Então não sabe quanto a mala tinha ? espera uns minutos que já lhe digo
A mala tinha sessenta e oito contos ,,, e mais alguns trocos que não me lembro exactamente
Dava para fazer na epoca três casas novas como eu na época fui estrear na Casa dos Pescadores de Peniche .
Poderia esta historia ter um epilogo mais feliz mas infelizmente acabou mal. o protagonista da historia ficou transtornado com o sucedido e infelizmente teve de sair do serviço .
Manuel Joaquim Leonardo
Peniche Vancouver Canada 26 de Abril de 2013
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